Acidentes de parapente: algumas reflexões

11/07/2016 - Publicado por: Fernando - Categoria: Geral - Tags: ACIDENTES

Acidentes de parapente: algumas reflexões

Caminhar, Voar e PensarPorque é preciso sair do lugar, do chão e do senso comum...

domingo, 10 de julho de 2016

Acidentes de parapente: algumas reflexõesNesse texto vou expor algumas reflexões, baseadas em minha percepção pessoal, sobre a forma como pilotos têm se relacionado com os acidentes em nosso esporte. Esse é um tema delicado e talvez até evitado em certas circunstâncias entre os pilotos. Não pretendo tirar conclusões ou ditar regras, mas me arrisco a refletir e compartilhar de modo que essas reflexões possam, eventualmente, inspirar outras reflexões.
Antes de falar dos acidentes, vamos considerar o risco. O voo livre é um esporte radical e como tal, tem como característica um risco físico elevado. Assim, há normas de segurança que têm por objetivo nivelar esse risco ao mínimo possível. Mas parece que somos atraídos por esportes radicais justamente por essa componente que envolve o risco. Talvez isso seja um resquício de memória de nossos ancestrais que encaravam situações de sobrevivência rotineiramente. Talvez a modernidade tenha nos dado um grau de segurança e previsibilidade tão alto que nos faça falta um pouco de incerteza e de insegurança.
Reduzir o risco, contudo, não é necessariamente reduzir a sensação de risco. Em especial quando somos iniciantes. Parece que sucessivamente vamos aprendendo que o risco não é tão grande como imaginávamos. Ou, passamos a achar que não. O problema é que a tolerância ao risco aumenta com a experiência. Ou pior, alguns pilotos parecem voar sempre testando seus limites, os limites do equipamento e os limites das condições ambientais.
Testar seus limites é bom quando isso é feito de forma responsável e sistemática. Conhecer os limites dos equipamentos também é saudável quando nessas mesmas condições. Contudo, os limites da natureza merecem mais atenção, uma vez que esses limites são mais difíceis de se avaliar e algumas vezes não permitem erros. Por limites da natureza me refiro à vento forte, atravessado, rotorizado, nuvens grandes, precipitação etc. Fatores ligados às condições meteorológicas ou com as condições orográficas[1].
Algumas vezes em situações de competição os pilotos assumem mais riscos que em voos rotineiros. Chrigel Maurer, vencedor do X-Alpes por várias vezes, comentou que treina para enfrentar condições em que normalmente não voaria. Isso inclui voar com vento forte e em rotores. Mas estamos falando de um dos maiores pilotos de parapente do mundo.
Ocorre que o voo tem um grau de risco, ainda que se observem todos os procedimentos de segurança. Cada concessão que fazemos aumenta esse grau risco. Muitas vezes, acidentes, ou incidentes[2], são a soma de vários fatores que se acumularam por concessões que o piloto fez.
Fazer concessão é quando o piloto decide voar, ou se manter voando, mesmo quando não há uma condição ideal. Voar com equipamento incompleto, decolar em condições climáticas ruins, voar com equipamento não adequando ao seu nível, decolar em horário inadequado ao seu nível etc. Cada concessão é um ponto (ou mais) no índice VDM[3]. O piloto que faz muitas concessões está mais perto do acidente que aquele que não faz. Obvio. Mas segundo Moura (2012), em sua pesquisa de doutorado, os pilotos tendem a associar os acidentes aos equipamentos e não às falhas de julgamento.
Mas na minha percepção há coisas piores que esses erros de julgamento ou imperícia. Duas em especial: a glamourização do incidente e o acobertamento. Explico logo adiante:Glamorização do incidenteNão é raro em rodas de conversas de final de tarde algum piloto contando uma história de incidente na qual se safou. Em geral, os incidentes são compartilhados de forma a parecer um ato de perícia do piloto ou simplesmente engraçado. Pilotos relatam incidentes como se tivessem contando uma vantagem. Algumas vezes só conseguimos realmente saber o que aconteceu depois de alguma insistência e investigação. Muitos pilotos sentem vergonha de admitir seus erros e simplesmente enfeitam o pavão.
Conheci um piloto que se vangloriava de decolar no ventão e outro que quando estava voando eu preferia esperar para decolar devido à agressividade de sua pilotagem. Ambos faziam muitas concessões e pareciam ignorar os riscos aos quais se submetiam. O primeiro eu vi cair cerca de 150 até o chão depois de uma pane, achei que tinha sido fatal, mas felizmente deu sorte. O segundo, infelizmente faleceu em um voo sob condições fortes.
Cada vez que tratamos os incidentes como coisa sem importância, estamos perdendo a chance de uma lição valiosa.AcobertamentoDepois que se faz uma “cagada” o primeiro impulso é de esconder. Mesmo os pilotos mais conscientes não divulgam seus erros se puderem manter isso oculto. Talvez se faça isso para evitar piadas e gozações, talvez para não manchar o currículo perante os colegas. Mas ao ocultar um incidente, ou mesmo acidente, também se perde uma chance de aprendizagem. Mas o principal é o fato de que se você não assume um erro, a chance de o colocar sob o tapete é enorme e isso implica em cometer o mesmo erro outra vez.
Afora os acobertamentos individuais há também aqueles realizados por grupos. Esses grupos podem ser clubes, ou escolas ou grupos de amigos mesmo que, depois de um acidente, inventam estórias, disfarçam, alegam fatalidade etc.
Já vi, mais de uma vez, após um acidamente fatal, se contarem histórias para preservar a imagem do falecido piloto. Eu entendo a dor das famílias, talvez para elas seja um ato de bondade evitar detalhes, mas ocultar a verdade da comunidade do voo não é a coisa mais inteligente do mundo. De fato, o mais lógico é que acidentes e incidentes fizessem parte de dados estatísticos que nos possibilitassem compreender as contribuições de cada variável em um acidente em um determinado contexto.
O esporte perde toda vez que um acidente ou incidente não é registrado para virar estatística e perde muito mais quando se inventam estórias falaciosas que nos iludem.FinalizandoNão faz muito tempo, soube da uma iniciativa da ABP por meio da CPEA - Comissão de Prevenção e Estudo de Acidentes. Li o material e achei muito interessante. Fiquei curioso por saber a quantas anda e se tem gerado ganhos.
Acidentes não são comuns e não devem ser aceitos como inevitáveis. Mesmo que alguns o sejam. Enquanto nos colocarmos em posição de defesa quando erramos, enquanto não admitirmos nossos erros e enquanto não encararmos nosso esporte de com mais responsabilidade permaneceremos em um perigoso faz de conta.
Referências
MOURA, D.L. Esportes de risco e riscos no esporte: uma análise do voo livre. Tese de Doutorado. UGF: Rio de Janeiro, 2012.
MOURA, D.L.; SOARES, A.J.G.; Os acidentes no Voo Livre: uma análise dos motivos nos relatos de atletas. LICERE - Revista do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer. Belo Horizonte, v.16, n.3, set/2013.

[1] Condições ou nuances do relevo.
[2] Por incidente quero dizer um “quase acidente”. Uma situação em que se poderia ter um acidente com consequências se alguma providencia não tivesse sido tomada ou o acaso tivesse favorecido.
[3] Vai Dar Merda.


Fonte: SITE





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